Relatório CIDH
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou, em dezembro de 2021, seu relatório temático “Direito à autodeterminação dos povos indígenas e tribais”, no qual, reconhecendo as demandas atuais dos povos indígenas e tribais, analisa as normas internacionais e formula recomendações aos Estados para que contribuam nos esforços de reconhecimento e implementação do direito à autodeterminação.
Este relatório faz parte do plano estratégico da Relatoria sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que busca visibilizar práticas, experiências e desafios enfrentados por esses povos no reconhecimento e exercício desse direito.
De maneira geral, o relatório destaca que os povos indígenas e tribais das Américas têm direito fundamental à autodeterminação, o que compreende o direito de determinar livremente sua condição política e buscar livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural a partir de suas próprias perspectivas sociais e históricas dentro dos Estados que vivem, considerando que a autodeterminação é um direito preexistente à criação dos atuais Estados americanos e é um direito fundamental para efetivamente ter acesso a outros direitos a ele vinculados.
Ao tratar sobre os Protocolos Autônomos de Consulta e Outros Instrumentos de Consulta e Consentimento, o Relatório referencia o Observatório de Protocolos Autônomos ao citar as experiências de protocolos ocorridas no Brasil e o reconhecimento do Protocolo do Povo Juruna e suspender o Projeto Belo Sun. A importância da referência ao Observatório se dá também no sentido do reconhecimento dos protocolos e dos sujeitos coletivos referenciados como “demais povos e comunidades tradicionais”. O Observatório possui um assertivo histórico de cooperação com a CIDH. Anteriormente, participamos da organização da reunião “El derecho a la consulta y el consentimiento previo de los pueblos indígenas”, que foi realizada em 09 de outubro de 2020.
Posteriormente, o Observatório, por meio de sua coordenadora Liana Amin Lima da Silva, participou de reunião da CIDH sobre o Direito à Autodeterminação em 11 de maio de 2021, oportunidade em que apresentou informações sobre pesquisas e levantamento de dados sobre protocolos de consulta. Estas informações foram citadas pela CIDH no relatório apresentado em dezembro de 2021. Observa-se, por exemplo, a menção ao Observatório de Protocolos nas notas de rodapés 496, 497 e 503, localizadas nos parágrafos 297, 298 e 300, nas páginas 135 e 140.
Nossa organização destacou que os povos indígenas e tribais usaram seus próprios mecanismos para a implementação de consulta e consentimento, principalmente por meio de protocolos de consulta ou protocolos autônomos de consulta à comunidade, de maneira que a CIDH reproduziu as informações que repassamos sobre diversas iniciativas de povos indígenas e tribais na construção de seus protocolos de consulta e consentimento livre, prévio e informado.
No documento, foi reconhecido o esforço do Observatório para destacar que um dos países onde a prática de organização de protocolos mais vem sendo desenvolvida é o Brasil, onde, conforme relatado, desde 2014, a construção de diversos protocolos de consulta e consentimento vem sendo registrada em forma documental, escrita, oral ou audiovisual, por povos indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais.
Esses povos elaboraram seus protocolos para exteriorizar ao Estado, as respectivas regras, normas e procedimentos para a realização de consultas, bem como as formas de organização e tomada de decisão de cada povo.
A CIDH observou com satisfação que, até a publicação do relatório em dezembro de 2021, diversos protocolos foram publicados ou estão em construção no país, sendo 13 de comunidades quilombolas, 25 de povos indígenas, 1 protocolo conjunto entre indígenas e quilombolas que compartilham o mesmo território e em torno de 14 protocolos de comunidades tradicionais, conforme dados levantados pelo Observatório.
Sobre os protocolos de comunidades tradicionais, uma diversidade de identidades coletivas é contemplada, como extrativistas, pescadores, ribeirinhos, floristas e do povo romani Calon. Além disso, vários protocolos bioculturais foram desenvolvidos, estes estão relacionados a questões de conhecimento tradicional e biodiversidade.
O crescente interesse dos povos indígenas e tribais na construção de protocolos de consulta se manifesta como instrumento para fazer respeitar seus direitos e impedir o que eles consideram práticas, leis e políticas estatais que não garantem efetivamente a consulta e o consentimento no contexto dos projetos extrativistas ou similares que afetem seus direitos enquanto comunidades etnicamente diferenciadas.
Os protocolos são baseados em seu direito à autodeterminação e em instrumentos internacionais como a Convenção 169 da OIT e as Declarações da ONU e OEA sobre os direitos dos povos indígenas. Nesse sentido, alguns avanços foram relatados no reconhecimento de protocolos de consulta em casos específicos, por exemplo, quando o judiciário brasileiro reconheceu o caráter vinculante do protocolo de consulta do povo Juruna, suspendendo o projeto de mineração denominado Belo Sun.
Além disso, o relatório analisa as bases jurisprudenciais estabelecidas pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos em relação com os distintos elementos constitutivos da autodeterminação, o reconhecimento deste direito nos ordenamentos internos de vários Estados, bem como as práticas e experiências dos povos da região no exercício da autodeterminação e os obstáculos que enfrentam para tanto. O relatório também menciona o caráter reparador deste direito e o entendimento do mesmo a partir de um enfoque transversal, de gênero, solidariedade intergeracional e interculturalidade.
Entre as recomendações que a CIDH formulou aos Estados, foram destacadas as medidas para garantir o direito dos povos indígenas e tribais a exercer de maneira prática e efetiva a autodeterminação no marco de seus próprios procedimentos, instituições e concepções de mundo. Ademais, a Comissão recomendou promover espaços de diálogo e coordenação intercultural entre as autoridades tradicionais e os Estados, com respeito a temas como a coordenação entre os sistemas de justiça indígena e tribal e a definição de medidas para a mitigação dos impactos causados pela mudança climática, bem como para a prevenção e atenção relacionada com a pandemia de COVID-19.
O relatório e a notícia de sua divulgação pode ser encontrado no site da CIDH, por meio dos seguintes endereços eletrônicos: https://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/LibreDeterminacionES.pdf e https://www.oas.org/es/CIDH/jsForm/?File=/es/cidh/prensa/comunicados/2021/355.asp .
Nós, pesquisadores do Observatório, consideramos o estudo e difusão deste relatório da CIDH como um instrumento imperativo para a implementação prática do direito à autodeterminação, respeitando as demandas de cada povo.