Demora na Demarcação das Terras Indígenas

Esta Nota Técnica é um dos produtos do Projeto de Pesquisa “Gerando Jurisprudência Favorável aos Povos e Comunidades Tradicionais no Tribunal Regional Federal da 1ª Região”, que iniciou seus trabalhos em abril de 2020. É uma das atividades desenvolvidas no âmbito da Clínica de Direitos Humanos (CIDHA), do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) do Instituto de Ciências Jurídicas (ICJ) da Universidade Federal do Pará (UFPA), integrante dos Grupos de Pesquisa “Natureza, Territórios, Povos e Comunidades Tradicionais na Amazônia Brasileira” e o “Integração de Cadastros Fundiários e Registro Imobiliário: caminhos para combater a grilagem”, ambos registrados no CNPq.

A CIDHA (https://www.cidh.ufpa.br/index.php/pt/) é um espaço de pesquisa e extensão ligada ao PPGD, com larga experiência e atuação no enfrentamento do desrespeito dos direitos humanos e territoriais na Amazônia, a partir de intervenções voltadas para promoção dos direitos humanos e ambientais, na proteção de tais direitos, empregando a advocacy e ações judiciais em âmbito nacional e internacional, em particular intervindo na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH). Sua atuação conta com a participação de parte do corpo docente do PPGD, discentes da graduação e pós-graduação.

O objetivo principal do Projeto de Pesquisa é colaborar tecnicamente com o MPF para assegurar a geração de jurisprudência favorável aos Povos e Comunidades Tradicionais relacionados aos conflitos socioambientais e territoriais sob jurisdição do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Trata-se de uma atividade que busca oferecer subsídio à Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1), como também às demais instâncias do Ministério Público, contando com financiamento da Climate and Land Use Alliance (CLUA), sob a gestão financeira da FADESP. Também estão envolvidos(as) discentes da graduação e pós-graduação da UFPA, alguns(as) com bolsas e outros como voluntários(as).

Objetivamos com a elaboração da Nota Técnica (NT) focar um determinado assunto, tema ou direito, que busca realizar uma análise aprofundada sobre a matéria discutida, contendo o histórico do direito examinado, a fundamentação legal nacional e internacional, qual é o entendimento da jurisprudência nacional e internacional, da doutrina nacional e internacional, baseados em informações relevantes e as contidas nos processos que estão no TRF1.

A pesquisa para elaborar o documento básico envolve mais de um processo judicial. A Nota Técnica, além de colaborar na elaboração de memoriais, pode ser uma peça jurídica de consulta contribuindo na construção de argumentos a serem utilizados em petições iniciais ou como fundamentos jurídicos em Amicus Curiae. Esta dinâmica irá auxiliar futuros recursos – no TRF1, podendo também contribuir para os demais Tribunais Regionais, STJ e STF – e a consolidação de teses jurídicas favoráveis aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.

Portanto, a Nota Técnica é uma discussão geral sobre um determinado tema ou direito e que seus argumentos e fundamentações jurídicas são utilizados para fortalecer uma reivindicação ou direito. No entanto, isso não impede que casos específicos e paradigmáticos sejam mencionados como ilustração dos temas que serão objetos desta.

A atual NT se inspirou em um aspecto que chamou a atenção no Projeto de Pesquisa ao sistematizar as informações dos processos no banco de dados, que é o longo tempo entre a entrada da petição inicial reivindicando algum direito, a decisão final com trânsito e julgado (quando há) e o cumprimento da decisão judicial. São décadas para chegar até o final e ter uma decisão definitiva. Mesmo assim, não há garantia de que a decisão será implementada de imediato e de que o direito decidido será cumprido e materializado em curto prazo.

O posicionamento em defesa do reconhecimento dos direitos territoriais está consolidado na jurisprudência da Corte Latinoamericana de Direitos Humanos (CorteIDH), reconhecendo o direito de propriedade dos povos indígenas sobre suas terras tradicionalmente ocupadas e o dever do Estado de proteger esses direitos, emanados do artigo 21 da Convenção Americana, à luz das normas da Convenção 169 da OIT, da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e da Declaração Americana sobre os Direitos do Povos Indígenas.

Portanto, os direitos reivindicados estão solidamente assegurados em normas internacionais, bem como os direitos reconhecidos pelo Estado brasileiro, previsto na Constituição de 1988 e em normas jurídicas infraconstitucionais, formando um forte arcabouço de um corpus juris nacional e internacional que obriga o poder público à proteção dos direitos territoriais indígenas.

Nesse contexto, deve-se destacar que foi o ativismo dos povos indígenas, por meio da litigância de seus direitos territoriais na CorteIDH, que proporcionou a ampliação da interpretação da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) a partir de seus direitos e de outros tratados internacionais (Maués e Magalhães, 2016).

Analisando a jurisprudência brasileira quanto à reivindicação dos povos indígenas de terem seus direitos territoriais assegurados, fica claro que estamos diante do debate da eficácia jurídica e a não efetividade dos direitos. Se por um lado, corpus juris indígena assegura a eficácia jurídica, no sentido de que se produz, “[…] em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos nela indicados; nesse sentido, a eficácia (jurídica) diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica (SILVA, 2012, p. 55-56).

Por outro lado, ao debruçar nos argumentos apresentados pelo TRF1, STJ e STF, que defendem o direito dos povos indígenas ao reconhecimento das terras tradicionalmente ocupadas, e ao mesmo tempo a constatação da demora de décadas para que cada grupo indígena consiga a demarcação de seu território, nos leva a pensar que podemos estar diante dos limites da tutela judicial na restrita democracia brasileira. 

Diante dessa constatação, para assegurar a proteção da floresta, das águas, dos animais, da água, do ar e dos povos e comunidades tradicionais, é preciso buscar outros caminhos jurídicos e políticos a fim de assegurar o direito territorial indígena, pois o direito à vida (Art. 5º, caput), à saúde (Art. 196), ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Art. 225), à dignidade para as gerações futuras (Art. 227), os direitos originários reconhecidos aos povos indígenas (Art. 231) ainda estão fragilizados diante do lento reconhecimento territorial tradicional.

Os autores da Nota Técnica demonstram cabalmente que a demora no reconhecimento do direito territorial dos povos indígenas viola o seu direito fundamental à terra (art. 231 da CF/88), o direito à razoável duração do processo (art. 5°, LXXVIII, da CF/88), as convenções internacionais, colocando em risco à vida e a cultura, devido a condição de vulnerabilidade em que se encontram. A demora no reconhecimento dos direitos territoriais reivindicada pelos povos indígenas é uma grave violação aos direitos humanos e da natureza, por isso se destaca a importância de se discutir a auto demarcação, como uma ação jurídica de fazer diante da não efetividade dos direitos amplamente assegurados. Para discutir o direito de auto demarcação, a Nota Técnica reserva suas páginas para discorrer sobre sua natureza e fundamentação jurídica, escrita pelo jurista e professor Carlos Frederico Marés de Souza Júnior.

A Constituição Federal de 1988 e o pluralismo jurídico são investigados pelo jurista Joaquim Shiraishi Neto, descrevendo os avanços e limites da nossa carta magna, explicando como o debate sobre o princípio da igualdade e diferenças culturais, a “invenção da raça” e a hierarquia social, criam tensões que a sociedade tem dificuldade de superar, o que explica a histórica apropriação ilegal das terras indígenas.

Para fundamentar o direito à terra tradicionalmente ocupada, foi examinado o significado de território (ou à terra tradicionalmente ocupada, conforme prevê a constituição brasileira e a Convenção 169 da OIT) por um advogado indígena, Dimas Fonseca Pereira. As decisões judiciais do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e do Supremo Tribunal Federal, que confirmam a premissa discutida na Nota Técnica, o direito à demarcação da terra indígena, foram escritas pelos discentes do PPGD e pesquisadores do Projeto de Pesquisa, Roberta Carolina Araujo dos Reis e Vinícios da Silva Machado.

Esperamos que a Nota Técnica seja uma ferramenta que ajude na superação da atual demora no reconhecimento dos direitos territoriais indígenas.”

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