A voz coletiva do Território Wayamu
Texto: Thaís Herrero | 3 de março de 2021
“O protocolo de consulta é nossa voz coletiva. Ao colocarmos no papel, ele materializa nossas vontades que sempre existiram, mostra nossa autonomia e o desejo de viver no território que defendemos.” É assim que Angela Kaxuyana explica a publicação Protocolos Próprios de Consulta e Consentimento Prévio dos Povos Indígenas do Território Wayamu. Ela é do povo Kahyana, reside na Terra Indigena Kaxuyana-Tunayana e foi uma das muitas pessoas envolvidas nos processos de construção e elaboração dos acordos internos que resultaram nos Protocolos de Consulta dessa região.
A publicação reúne ao todo cinco protocolos de consulta prévia, cobrindo três Terras Indígenas que são contíguas e compõem o Território Wayamu: TI Nhamundá-Mapuera, TI Trombetas-Mapuera e TI Kaxuyana-Tunayana, nos estados do Pará, Roraima e Amazonas. Apoiada pelo Instituto Iepé e pela Rede de Cooperação Amazônica (RCA), a publicação está disponível para ser baixada gratuitamente.
“O protocolo é importante para nós, mas principalmente para o governo, instituições e empresas que possam nos atingir com qualquer ação ou qualquer tomada de decisão que envolva nossas vidas”, diz Angela. O direito à consulta e consentimento prévio dos povos indígenas está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
Segundo a Convenção 169, povos indígenas devem ser consultados antes de qualquer empreendimento que possa afetar suas vidas ou territórios, e seu posicionamento deve ser levado em conta pelo governo antes que uma decisão seja tomada. “Uma vez que esses povos possuem seus protocolos de consulta, passam a estar munidos de uma ferramenta muito importante, que obriga governos e demais atores responsáveis a realizarem uma boa consulta, de acordo com o que estiver estabelecido em seus protocolos”, explica Denise Fajardo, antropóloga do Iepé que coordenou as atividades de apoio à elaboração desta publicação.
Para elaborar seu Protocolo de Consulta, em que apresentam como tomam decisões coletivas e quais os passos que devem ser seguidos pelo governo para consultá-los, os povos indígenas do Território Wayamu realizaram muitas conversas e encontros, e foram pactuando acordos durante oficinas e reuniões nas aldeias ao longo de dois anos. Além de representantes das comunidades indígenas, participaram lideranças, professores, mulheres, agentes de saúde e representantes das associações indígenas locais.
Os processos de elaboração dos protocolos tiveram a participação da COIAB e a colaboração de integrantes do Ministério Público Federal, além de profissionais de referência, como o antropólogo Ruben Caixeta, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e integrante do Iepé, com reconhecido trabalho entre os povos da região.
Angela também conta que a maior aprendizagem que tiveram foi a de como tomar decisões conjuntas e construir um só posicionamento que respeitasse a diversidade. “Foi um exercício importante o de entender e respeitar o olhar de cada povo, de cada língua, de cada cultura e cada tempo. Foi a construção de uma resposta das nossas vontades, mas também de uma resposta coletiva. É a vontade das diferenças”, diz.
“Assim é o nosso Território Wayamu! Aqui queremos viver bem no presente e no futuro; queremos guardá-lo e protegê-lo para os nossos filhos e para os filhos dos nossos filhos. Por isso, elaboramos os nossos protocolos de consulta e consentimento prévio, abrangendo todos nós, povos indígenas do Território Wayamu.”
Foi durante o processo de elaboração do seu protocolo de consulta que os povos indígenas dessa região conceberam a ideia do Território Wayamu. Até então, eles viviam próximos, tinham uma identificação com um território, mas não davam a ela um nome. “E por que wayamu? Esse nome é facilmente compreendido por todos nós, e identifica o animal que em língua portuguesa é chamado de jabuti. O wayamu é forte e resistente, seu casco é duríssimo e ele não morre com facilidade, mesmo quando ferido ou sem alimento por vários dias. O wayamu não desiste facilmente diante das dificuldades”, explica um trecho do protocolo.
Link orginal da matéria disponível aqui.