CNDH aprova resolução sobre direitos de povos indígenas em isolamento voluntário e reconhece a validade jurídica dos Protocolos Autônomos de Consulta Prévia
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH aprovou hoje (10) uma resolução sobre princípios, diretrizes e recomendações para a garantia dos direitos humanos dos povos indígenas isolados e de recente contato, bem como para a salvaguarda da vida e bem-estar desses povos.
A deliberação ocorreu durante a 14ª Reunião Extraordinária do CNDH, após debate na reunião anterior a partir da minuta elaborada pelo consultor ad hoc Fabrício Amorim, designado pelo Plenário para subsidiar tecnicamente os debates do conselho sobre diretrizes de direitos humanos para políticas públicas para povos indígenas isolados e de recente contato. O documento foi fruto de uma construção colaborativa, com a realização de mesas de diálogos estabelecidas com organizações indigenistas e indígenas, como a Articulação de Povos Indígenas do Brasil – APIB e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, além de contribuições recebidas por meio uma consulta pública.
O presidente do CNDH, Renan Sotto Mayor, destacou que o CNDH tem exercido a função, em suas resoluções, de explicitar as várias temáticas que não são abordadas nos normativos brasileiros. Ele explica que isso ocorreu com a resolução destinada à diretrizes para promoção, proteção e defesa dos direitos das pessoas em situação de rua e agora com os direitos dos povos indígenas em isolamento voluntário, que também carecem de normativo nacional.
“O Brasil adota uma política do não contato com povos indígenas isolados desde 1987, uma vez que uma simples gripe pode dizimar etnias inteiras. É uma decorrência natural da construção da política da autodeterminação dos povos indígenas prevista na Constituição”, afirma Sotto Mayor.
O consultor Amorim informa que a resolução contou com a participação de doze organizações da sociedade civil – duas delas constituídas em rede, com objetivo de contemplar o grande desafio, já que o Brasil possui a concentração de povos indígenas em isolamento voluntário na América Latina, com 114 registros, dos quais 28 são confirmados e os demais aguardam averiguação. Esses povos vivem em confirmadamente em pelo menos 22 terras indígenas, a maior parte na região Amazônica, pressionadas pelo garimpo, grandes empreendimentos e desmatamento.
Amorim destaca que a Resolução n. 44 e a discussão que dela desdobrou estão lançando o Estado brasileiro novamente a um status de referência internacional – algo que vinha sendo perdido nos últimos tempos. “É uma resolução importante não só para os povos indígenas, mas para toda a sociedade brasileira. Da mesma forma, lança o CNDH a um lugar de reconhecimento na temática de povos indígenas e será um importante guia para impulsionar o trabalho na Brasil”, explica.
Participaram das mesas de diálogo e que contribuíram com a resolução:
– Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé
– Associação Nacional de Direitos Humanos , Pesquisa e Pós-graduação – Andhep
– Centro de Trabalho Indigenista – CTI
– Comissão Pró-Índio do Acre – CPI-AC
– Conselho Indigenista Missionário – CIMI
– Instituto Socioambiental – ISA
– Grupo Internacional de Proteção dos Povos Indígenas em Situação de Isolamento e Contato Inicial – GTI PIACI
– Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato – Opi
– Observatório de Direitos e Políticas Indigenistas – OBIND
– Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Livre Prévio Informado
– Operação Amazônia Nativa – OPAN
– Rede de Cooperação Amazônica – RCA
Notícia publicada originalmente na página do Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH no Facebook.
Data: 10 de dezembro de 2020.
*O Observatório de Protocolos Comunitários participou das Mesas de Diálogo e contribuiu com recomendações e revisão da minuta da Resolução, especialmente com o Capítulo IV sobre consulta e consentimento livre, prévio e informado.
Transcrevemos abaixo o capítulo e destacamos a importância do artigo 14 que dispõe sobre o reconhecimento da validade jurídica e caráter vinculante dos protocolos comunitários autônomos de consulta prévia.
Um grande avanço a aprovação da Resolução n. 44/ 2020 do CNDH!
CAPÍTULO IV
DA CONSULTA E CONSENTIMENTO LIVRE PRÉVIO E INFORMADO
Art. 13 A consulta e consentimento livre, prévio e informado, conforme preconizada pela Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho, deve considerar a opção pelo isolamento como manifestação expressa do não consentimento para a implementação de empreendimentos e medidas que afetem negativamente as condições ambientais de seus territórios.
Art. 14 Em relação às terras indígenas compartilhadas por diferentes povos indígenas e por povos indígenas isolados, devem ser considerados como instrumentos jurídicos válidos e vinculantes, norteadores das diretrizes para o processo de consulta, os protocolos elaborados pelos próprios povos (protocolos comunitários autônomos de consulta) sendo recomendável que contemplem a vulnerabilidade dos povos isolados e, como referido no artigo anterior, o não consentimento para medidas e ações que os afetem negativamente.
Art. 15 No caso de possível presença de povos indígenas isolados em áreas de impacto direto e indireto de empreendimentos, no que diz respeito à avaliação de viabilidade ambiental da obra, medidas específicas devem ser adotadas no âmbito dos estudos do componente indígena do licenciamento ambiental, especialmente a metodologia de pesquisa e localização de povos indígenas isolados do Estado brasileiro e os princípios, diretrizes e recomendações desta resolução.
Art. 16 Finalizadas todas as etapas da metodologia de pesquisa e localização sobre a presença de povos indígenas isolados, caso se confirme essa presença nas áreas impactadas diretamente ou indiretamente, o processo de licenciamento ambiental deve ser suspenso e a obra considerada inviável.
§ 1° Os processos administrativos de reconhecimento e compreensão da presença de povos indígenas isolados, devem ser acompanhados por defensoras e defensores de direitos humanos, por organizações indígenas e da sociedade civil, tendo em vista a vulnerabilidade política dos povos indígenas isolados em se manifestarem de forma direta e comumente aceita pelo Estado.
§ 2° As expedições de localização para compreensão da presença de povos indígenas isolados, no âmbito de processos de licenciamento ambiental, deverão ser realizadas exclusivamente por equipe de profissionais do órgão indigenista oficial, dotados de notório saber sobre o contexto local e metodologia de localização de povos indígenas isolados, cabendo também a participação de representantes indígenas e suas organizações, e da sociedade civil atuante na defesa de povos indígenas isolados, mediante instrumento específico de compromisso.
§ 3° Os cronogramas do procedimento de licenciamento ambiental devem ser adequados e compatibilizados ao tempo necessário para a realização dos estudos sobre a presença de povos indígenas isolados. Nenhuma licença deve ser emitida antes do término dos estudos.
§ 4° Nenhuma licença deve ser emitida antes do processo de consulta às organizações indígenas representativas dos povos e/ou comunidades que compartilhem territórios com os povos isolados, sob pena de nulidade do procedimento administrativo de licenciamento ambiental.