Presidente do Congresso Nacional Promulga Lei que Institui Marco Temporal Para Demarcação de Terras Indígenas
A Lei 14.701/23 tem origem no PL nº 490/2007, aprovado pela Câmara dos Deputados em maio deste ano. Ao chegar no Senado, a proposta se transformou no PL nº 2903/2023
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), promulgou na última quinta-feira (28/12) a lei que institui o Marco Temporal para demarcação de terras indígenas. A utilização da tese foi vetada pelo presidente Lula, mas o veto foi posteriormente derrubado pelo Congresso no começo deste mês (14/12). A votação, que contou com a participação de 321 deputados e 53 senadores, resultou na incorporação de trechos do projeto à Lei 14.701/23, anteriormente vetados pelo presidente Lula, restringindo a demarcação de terras ocupadas até 5 de outubro de 1988.
A medida, contrária à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), suscita debates acalorados sobre os retrocessos nas demarcações e desafia a inconstitucionalidade já declarada pelo STF. Vale ressaltar alguns pontos controversos sobre essa nova lei, como por exemplo as restrições ao uso de transgênicos em terras indígenas, proibição de destinação dessas terras para outras finalidades e regulamentações para o contato com indígenas isolados. Entretanto, diversos vetos foram rejeitados, incluindo a ampliação de terras já demarcadas e a anulação de demarcações que não atendiam aos novos critérios.
Um aspecto que tem gerado controvérsia é a inclusão na lei da permissão para instalação de bases militares em terras indígenas, sem a necessidade de consulta às comunidades afetadas ou à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), violando a Convenção 169 da OIT que possui status de supralegalidade como tratado de direitos humanos, com materialidade constitucional. Essa dispensa de consulta também se estende à expansão de rodovias, exploração de energia elétrica e proteção de riquezas estratégicas, levantando preocupações sobre os retrocessos aos direitos dos povos indígenas assegurados internacionalmente e constitucionalmente.
Em resposta a essa medida, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e a Rede Sustentabilidade acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) alegando a inconstitucionalidade da lei do marco temporal para a demarcação das terras indígenas.
Quando houve a derrubada dos vetos pelo congresso, a deputada Célia Xakriabá (PSOL), em entrevista à imprensa, enfatizou que a decisão não representa apenas uma derrota para os povos indígenas, mas também para a agenda governamental e climática. A parlamentar ressaltou a contradição entre a posição do Congresso e a decisão prévia do STF, classificando-a como inconstitucional.
Além disso, a lei do Marco Temporal introduz a possibilidade de não indígenas realizarem atividades econômicas em terras indígenas. A discussão sobre a preservação do modo de vida indígena e a influência de atividades econômicas externas ganha protagonismo no debate diante dessa permissão.
Diante dos desdobramentos, a legalidade e constitucionalidade do Marco Temporal estão sendo amplamente debatidas, suscitando a necessidade urgente de uma revisão aprofundada das políticas relacionadas às terras indígenas no Brasil.
Doutor em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pesquisador sob uma perspectiva decolonial, Henry Mähler-Nakashimat utilizou suas redes sociais para se pronunciar sobre o tema e destacou cinco pontos críticos relacionados à Lei 14.701/23. O pesquisador demonstrou preocupação em relação a tópicos que tratavam sobre a proibição da ampliação de terras já demarcadas, a contestação facilitada de demarcações de novas terras indígenas, a dispensa de consulta prévia para instalação de bases militares e hidrelétricas, a não obrigatoriedade de consulta para expansão de rodovias, exploração de energia elétrica e proteção de riquezas estratégicas, e a indenização a benfeitorias realizadas por ocupantes de terra indígena, mesmo em casos de ocupação ilegal.
Henry Mähler-Nakashima ressalta que, embora haja outros pontos de preocupação, esses cinco ilustram a gravidade da situação dos indígenas diante do atual cenário político, evidenciando um atentado agressivo aos direitos fundamentais.
O indígena Maurício Terena, coordenador jurídico da APIB, afirmou que a discussão do Marco Temporal não teve uma resolução ainda e que há a expectativa de que ela retorne para o Supremo. Para Terena, a reação do Congresso Nacional é uma tentativa de demonstração de força diante de outros poderes governamentais, mas não significa uma decisão final quanto ao tema. O Observatório de protocolos segue acompanhando os desdobramentos: Marco Temporal, Não!