NOTA DE SOLIDARIEDADE AOS POVOS KAIOWÁ E GUARANI
NOTA DE SOLIDARIEDADE AOS POVOS KAIOWÁ E GUARANI
Foto: Retomada de Yvyrapygue, Laranjeira Nhanderu. Reprodução Aty Guasu, 2023.
As entidades acadêmicas, organizações da sociedade civil e coletivos que atuam na defesa dos direitos humanos e socioambientais, subscritas abaixo, vem à público expressar a presente Nota de Solidariedade aos povos Kaiowá e Guarani, pelos sistemáticos atentados que vêm sofrendo nas últimas décadas, o que se agravou em 2022 com o Massacre de Guapo’y e com as situações de violência e ameaça à integridade física dos povos que vieram a se repetir em março de 2023, por abordagem truculenta da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul.
Três lideranças indígenas, conselheiras de importantes organizações dos povos, na defesa coletiva da comunidade em área de retomada foram presas na data de 03 de março. Consideramos que tal prisão é ilegal pois não houve mandado judicial para reintegração de posse e não se levou em consideração o contexto da legítima ocupação de terra reivindicada em fase de identificação para demarcação, sendo competência da justiça federal para intervir e intermediar todos os atos do processo, diante de tais conflitos.
Mboy Jeguá, conselheira da Kuñangue Aty Guasu – Grande Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá; Ava Rendy, conselheiro da Aty Guasu – Grande Assembleia do Povo Kaiowá e Guarani; e Ava Jeguaka, conselheiro da Retomada Aty Jovem (RAJ), foram detidos injustamente pela Polícia Militar e encaminhados para Delegacia de Polícia de Rio Brilhante, na data de 03 de março de 2023, em contexto de violenta abordagem e agressões físicas por parte da Força Policial, incluindo tiros de borracha com vítimas indígenas feridas. As lideranças impediram a prisão de seu pai, ancião rezador Nhanderu que luta com todas suas forças pela Retomada de Yvyrapygue, parte de Laranjeira Nhanderu, tekoha localizado no município de Rio Brilhante, em Mato Grosso do Sul. Mboy Jeguá foi violentamente agredida e jogada no chão durante a abordagem policial. Após passarem a noite e manhã detidas, foi concedida liberdade provisória para as lideranças na tarde de 04 de março, por decisão judicial (Comarca de Rio Brilhante/ Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso do Sul). Contudo, responderão por processo penal, sendo imputados os crimes de esbulho possessório, resistência e desobediência.
Laranjeira Nhanderu foi retomada inicialmente em 2007, passando por despejo em 2009 e distintas violências cometidas pelo Estado brasileiro, policiais, pistoleiros e seguranças privados desde então. Importante recordar que, de acordo com o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre Ministério Público Federal (MPF) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) em 2007, o prazo máximo para a publicação dos relatórios de identificação e delimitação de Terras Indígenas no Mato Grosso do Sul foi estabelecido até 2009, fato que contemplava Laranjeira Nhanderu, parte da Terra Indígena Brilhantepeguá. Passados quase 15 anos, a Terra Indígena Brilhantepeguá e Laranjeira Nhanderu, segue em processo de identificação.
A luta histórica pelo território Kaiowá e Guarani é uma reivindicação legítima pelo direito originário à terra indígena, amparada no art. 231 da Constituição Federal, Convenção n. 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada pelo Brasil pelo decreto Legislativo n. 143 de 20 de junho de 2002, Declaração das Nações Unidas e Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007 e 2016, respectivamente.
Diante da omissão e morosidade do Estado no cumprimento do mandamento constitucional de demarcação das terras indígenas, o conflito fundiário se agrava, somado à ação orquestrada da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do Estado de Mato Grosso do Sul aos interesses do agronegócio. Tais ações configuram graves violações de direitos humanos e fundamentais dos povos indígenas, como a desastrosa e covarde operação de 24 de junho de 2022 que ficou conhecida como o Massacre de Guapo’y, no município de Amambai, que resultou no assassinato de Vitor Fernandes (42), crianças e idosos gravemente feridos pelas Forças Policiais, e, posteriormente, o assassinato da liderança Vitorino Sanchez (60), executada em setembro de 2022.
A violência sistemática, os ataques e atentados contra membros de grupo étnico com a intenção de destrui-lo, no todo ou em parte, – como os atos de assassinato de membros do grupo, atentado grave à integridade física e mental, submissão deliberada de membros do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo-, configuram crime de genocídio previsto na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto n.30.822, de 06 de maio de 1952.
O Estado brasileiro precisa ser responsabilizado, efetivar garantias de prevenção ao crime de genocídio e não repetição dos atentados anteriores. Repudiamos a criminalização de lideranças indígenas, operações ilegais e prisões arbitrárias em áreas de retomadas, para que massacres como de Guapo’y (2022) e de Caarapó (2016) nunca mais aconteçam!
Conclamamos ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU) e demais órgãos estatais, para somarem forças em prol da resolução desse grave conflito com as garantias de que seja dado encaminhamento em caráter de urgência aos procedimentos de demarcação de terras indígenas.
Justiça para os povos Guarani e Kaiowá: demarcação já!
Atymã Porã. Aguyjevete.
07 de março de 2023.
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