O Conselho Nacional de Direitos Humanos emitiu recomendação ao IBAMA, MPF e MPE/CE para que façam realizar a Consulta Prévia, Livre e Informada aos povos indígenas, quilombolas, camponeses em Santa Quitéria
No dia 2 de junho do presente ano o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) expediu a Recomendação nº 20 direcionada ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). O documento recomenda a suspensão do licenciamento ambiental do Projeto Santa Quitéria, uma vez que o mesmo não observou o procedimento de consulta e consentimento prévio, informado e de boa-fé aos povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais a serem afetadas desrespeitando a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Projeto Santa Quitéria localiza-se no interior do Ceará e visa a construção da usina de Itataia. O projeto remonta aos anos 1970 objetivando exploração da maior jazida de urânio do Brasil e terceira maior do mundo. O Projeto se organiza por meio de um consórcio da empresa pública Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a Fosnor – Galvani S.A., visando exploração de uma jazida de colofanito. Buscou-se a construção da Usina em 2004 e 2011. Contudo, os povos e comunidades afetados apontam para as irregularidades no processo e total desrespeito ao direito à consulta prévia, livre e informada.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos possui atribuição para expedir recomendações a entidades públicas e privadas que estejam envolvidas na proteção dos direitos humanos. Assim, o CNDH considera que sua finalidade é a promoção dos direitos humanos, além de considerar que o Brasil é signatário da Convenção nº 169 da OIT e que tal tratado é de direitos humanos e, portanto, foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com status normativo supralegal. O Conselho aponta, ainda, que a Convenção reconhece a aspiração dos Povos e Comunidades Tradicionais de controlar suas próprias instituições e formas de vida. Nesse sentido, o tratado internacional prevê o dever de consulta por parte dos governos sempre que medidas administrativas ou legislativas possam afetá-los diretamente.
A Recomendação ainda lembra que os Princípios Orientadores Sobre Empresas e Direitos Humanos prevê que os Estados devem proteger as violações contra direitos humanos que se deem em seus territórios, incluindo o espaço de empresas e estas também possuem o dever de não violar os direitos humanos. Além de considerar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 42 que a demarcação de terras indígenas é meramente declaratória e não constitutiva, de modo a ser vedado aplicações de formalidades não previstas no texto constitucional.
Acerca das comunidades quilombolas a Recomendação leva em conta o Decreto nº 4.887 que reconhece os critérios de autoatribuição para caracterização dos remanescentes das comunidades quilombolas que se dá por meio da autodefinição da própria comunidade. Ainda considera a Lei 13.123/2015 que define comunidade tradicional, provedor de conhecimento tradicional, consentimento prévio informado e protocolo comunitário.
Relembra também a Resolução nº 230 de 8 de junho de 2021 do Conselho Nacional do Ministério Público apontando-a como ato normativo que reconhece um conjunto de direitos dos povos e comunidades tradicionais, dando destaque aos parágrafos da normativa que tratam acerca da consulta prévia. Assim, aponta que dentro da Área de Influência do Projeto Santa Quitéria (PSQ) encontram-se escolas indígenas e que tal fato deve ser considerado.
O Projeto Santa Quitéria é considerado uma instalação nuclear e, segundo a Recomendação, no procedimento referente ao licenciamento nuclear não há autorização ou licença prévia para tal projeto. Nesse sentido, relembra a recomendação de 2014 expedida pelo Ministério Público Federal em situação semelhante que determinava a suspensão das audiências públicas por inexistência de autorização ou licença prévia emitida pela Comissão Nacional de Energia Nuclear. Ainda, aponta que o projeto em questão tramita a nível estadual e não federal, além de não ser possível pleno acesso às informações referentes ao projeto, já que nem todas constam no material que foi utilizado nas audiências públicas.
Considerando toda a fundamentação, o documento recomenda ao IBAMA que se abstenha de realizar audiências públicas e suspenda o licenciamento ambiental enquanto o direito de consulta prévia, livre, informada e de boa-fé aos povos indígenas e demais comunidades tradicionais não for garantido. Assim, recomenda a promoção do procedimento de consulta de acordo com os protocolos autônomos das comunidades. Por fim, recomenda a integração aos estudos referentes ao licenciamento de informações acerca do licenciamento ambiental da adutora e do licenciamento nuclear, uma vez que para a licença prévia é necessário a análise integrada dos impactos ambientais, sociais, radioativos e entre outros.
A Recomendação é uma vitória em meio às violações contínuas do direito à consulta prévia, livre e informada. As comunidades afetadas devem ser consultadas pelo Estado e conforme seus protocolos de consulta que preveem as formas como gostariam de serem consultadas e qual trâmite a ser adotado. Espera-se que a Recomendação seja atendida pelo IBAMA e que o direito à consulta prévia, livre e informada prevaleça.
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