A consulta prévia, livre, informada e de boa-fé é um direito estabelecido na Convenção 169 da OIT -Organização Internacional do Trabalho- sobre Povos Indígenas e Tribais (1989), mas que não se restringe a ela. A Convenção foi ratificada pelo Brasil em 2002, por meio do Decreto Legislativo n. 143, de 20 de junho de 2002. A consulta é uma obrigação e deve ser realizada pelo Estado e seus órgãos sempre que um ato administrativo ou legislativo possa afetar ou causar impacto aos direitos dos povos indígenas e tradicionais. O direito de consulta prévia é um direito fundamental dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Apesar disto os Estados Nacionais têm violado este direito negando a consulta ou a fazendo sem legitimidade.
Em resposta a estas violações, povos indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais decidiram elaborar instrumentos legítimos para serem consultados os chamando de ‘protocolos de consulta’. Consideramos que os protocolos comunitários, protocolos próprios, também chamados de protocolos autônomos, constituem juridicidade e expressão da jusdiversidade, ou seja, da diversidade de sistemas jurídicos dos povos, no exercício da livre determinação. As iniciativas dos povos no Brasil surgiram em 2014, com o Protocolo do Povo Wajãpi e logo em seguida, o Protocolo do Povo Munduruku. No mesmo período, outros povos da América Latina também registravam experiências da mesma natureza, sobretudo na Colômbia.
Diante da necessidade de conhecer e dar visibilidade a esses instrumentos jurídicos elaborados pelos povos, bem como monitorar os casos de violações e descumprimento do direito de consulta e consentimento livre prévio e informado no Brasil e demais países da América Latina, em 2017, pesquisadores(as) do Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental (CEPEDIS) e do Grupo de Pesquisa Meio Ambiente: Sociedades Tradicionais e Sociedade Hegemônica, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) resolveram criar, no âmbito de suas pesquisas científicas, o Observatório de Protocolos Comunitários. O Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Livre Prévio e Informado: direitos territoriais, autodeterminação e jusdiversidade, como Projeto de Pesquisa (Universal CNPq) se vincula também ao Programa de Pós-Graduação em Fronteiras e Direitos Humanos da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGFDH/ UFGD).
O Observatório tem como objetivo manter atualizado um banco de Protocolos do Brasil e demais países da América Latina para conhecer e dar a conhecer seus conteúdos. Pretende formar e fomentar uma rede entre pesquisadores/as, organizações sociais e organizações de povos indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais e de pessoas que atuam na defesa dos direitos socioambientais e na concretização do direito de consulta e consentimento prévo, livre e informado (CPLI, na sigla em inglês FPIC).
Inclui-se nos objetivos do Observatório oferecer apoio técnico para os povos e comunidades na elaboração de protocolos comunitários, principalmente pois compreendemos que a elaboração e aprovação destes protocolos representa um exercício da livre determinação dos povos porque para além das normas jurídicas e morais que regem a vida de cada povo são criadas normas de relacionamento com a sociedade envolvente ou hegemônica de forma livre e autônoma. Para isso é fundamental que haja um claro entendimento do que sejam os direitos garantidos na normatividade estatal.
A elaboração de protocolos comunitários é expressão de autonomia e autodeterminação dos povos, pois são criadas normas de relacionamento com a sociedade envolvente ou hegemônica de forma livre e autônoma. Além dos protocolos autônomos que visam garantir as especificidades culturais em um processo de consulta e garantir a concretização do direito ao consentimento prévio, livre e informado, os protocolos comunitários que tratam da proteção dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade também são objeto do Observatório, os chamados “protocolos da sociobiodiversidade” ou, simplesmente, “protocolos comunitários”.
As experiências de protocolos autônomos no Brasil emergiram como resposta ao contexto de ameaça aos territórios indígenas, quilombolas e tradicionais, à omissão do Estado brasileiro em concretizar direitos fundamentais e coletivos dos povos e como alternativa a uma possível regulamentação geral dos procedimentos de consulta prévia no Brasil, rechaçada pelos movimentos e organizações de povos por representar possíveis restrições ao direito de consentimento e livre determinação, bem como homogeneização nos procedimentos de consulta, violando as formas próprias de organização de cada povo. Os protocolos autônomos, então, surgiram como uma alternativa e saída jurídica apontada pelos próprios povos para exigir o cumprimento da consulta, respeitando as normas internas de cada povo e/ou comunidades.
Nesta página, pretendemos disponibilizar os documentos de protocolos comunitários no Brasil e demais países sempre que estejam abertos para o conhecimento público, como fruto dos levantamentos realizados pelas nossas pesquisas e rede de colaboradores/as.