Revisão Periódica Universal (RPU/ONU) e recomendações ao direito à consulta e consentimento livre prévio e informado

Revisão Periódica Universal (RPU/ONU) e recomendações ao direito à consulta e consentimento livre prévio e informado

Revisão Periódica Universal (RPU/ONU) e recomendações ao direito à consulta e consentimento livre prévio e informado. Aportes do Observatório de Protocolos Comunitários em coalizão com 57 organizações da sociedade civil  

Texto por: Liana Amin Lima, Gabriel Dourado e Gisele Jabour,  06 de abril de 2022. 

O Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Livre Prévio e Informado,  em 31 de março de 2022, submeteu ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas um relatório em coalizão (sociedade civil) para o 4° ciclo de monitoramento do Brasil no Mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU/ONU). 

A Revisão consiste em um mecanismo de avaliação internacional feito a cada 4 anos e meio entre os próprios 193 países membros para verificar o cumprimento por parte dos Estados das obrigações e compromissos assumidos para a elaboração de recomendações de Direitos Humanos. 

Com o propósito de contribuir com o quarto ciclo da RPU, foi submetido o relatório de coalizão das 58 organizações da sociedade civil – incluindo organizações representativas de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais a nível nacional, grupos de pesquisa, organizações de direitos humanos e  socioambientalistas. 

Em um esforço coletivo, foi elaborado o relatório que aponta as violações ao direito à consulta e consentimento prévio, livre e informado (CCPLI) de povos indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais no Brasil com a sistematização de mais de 80 casos de violações nos territórios (projetos extrativos e de desenvolvimento), além das ameaças em relação à Projetos de Leis (como o PDL 177/2021, PL 191/2020, o PL 490/ 2007, entre outros). 

Também foi apontado as ameaças e o enorme risco com as regulamentações estaduais sobre consulta e consentimento prévio, livre e informado ao transferir para as empresas a atribuição de conduzir e financiar os processos de consulta,  na contramão dos parâmetros internacionais  (Convenção 169 da OIT, Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos), pois trata-se de dever e competência exclusiva do Estado. 

Além de demonstrar a conjuntura da sistemática violação aos direitos dos povos pelo Estado brasileiro – com ênfase no direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado, foram referenciadas as 65 experiências de protocolos autônomos (elaborados no período de 2014 a 2022) como exercício da livre determinação dos povos indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais do Brasil, sujeitos coletivos da Convenção 169 da OIT. 

Nesse sentido, o relatório tomou como base as recomendações sobre direitos dos povos e comunidades tradicionais recebidas nos ciclos anteriores da RPU para apontar o atual descumprimento pelo Estado brasileiro. 

Recomendações da RPU em relação aos direitos dos povos e comunidades tradicionais

Já no 1º ciclo, o Brasil aceitou recomendações sobre direito dos povos indígenas e defesa do meio ambiente.A partir do 2º ciclo é possível verificar um aumento no número de recomendações específicas sobre o direito de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado (CCPLI) e a necessidade de adequação do Estado brasileiro aos parâmetros internacionais de direitos humanos no que se refere ao tratamento dos grupos étnico-raciais. Dentre as recomendações recebidas, destaca-se: i. 163 (Holanda); ii. 164 (Noruega); iii. 166 (Peru); iv. 167 (Eslováquia); v. 31 (Cabo Verde); vi. 169 (Alemanha).

Durante as Revisões Periódicas, o Brasil acatou recomendações sobre a obrigatoriedade de conclusão das demarcações das terras indígenas, processo que, infelizmente, ainda está distante de concluir-se, apesar de que o Estatuto do Índio (Lei nº  6.001, de 19 de dezembro de 1973, art. 65) estabeleceu, que o Poder Executivo faria, no prazo de cinco anos, a demarcação das terras indígenas ainda não demarcadas, dispositivo que se repetiu no artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, mas permaneceu sem pleno cumprimento. No 2º ciclo, o Brasil acatou a recomendação nº 165 feita pela Noruega, a qual menciona não apenas a necessidade de conclusão das demarcações dos territórios indígenas, mas enfatiza a necessidade de conclusão da demarcação dos territórios Guarani Kaiowá, povo que, juntamente com os Guarani Ñandeva, ocupa no Estado de Mato Grosso do Sul menos que um terço dos territórios tradicionais reconhecidos e garantidos constitucionalmente.

 No 3º ciclo novas recomendações foram recebidas e, de forma contumaz, inobservadas pelo Estado brasileiro no que se refere ao direito de CCPLI, são elas: i. 51 (Holanda); ii. 229 (Moldova); iii. 230 (Alemanha); iv. 231 (El Salvador); v. 232 (Estônia); vi. 233 (Islândia); vii. 240 (Noruega). Ainda neste último ciclo, uma vez que tratam da proteção ampla desses grupos e da promoção de seus direitos, condições fundamentais para processos apropriados de consulta, vale mencionar que outras recomendações podem ser consideradas relacionadas ao direito à CCPLI, apesar de que não tratam especificamente dele: i. 35 (Uzbequistão); ii. 52 (Paraguai); iii.  53 (Serra Leoa); iv. 60 (Namíbia); v. 220 (El Salvador); vi. 222 (Bangladesh); vii. 223 (Canadá); ix. 224 (Filipinas); x. 225 (México); xi. 226 (Santa Sé); xii. 228 (Togo); xiii. 234 (Noruega); xiv. 236 (Suíça); xv. 237 (Peru); xvi. 238 (França); xvii. 239 (Cabo Verde); xviii. 241 (Paraguai); xix. 242 (Moldova). 

Recomendações do Observatório de Protocolos Comunitários em coalizão com APIB, CONAQ, REDE PCTS, REDE CERRADO, REDE DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA e outras 52 organizações listadas abaixo formuladas ao Estado brasileiro.  

RECOMENDAÇÕES 

  1. Respeitar o autorreconhecimento e a autodeterminação de povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais e efetivamente reconhecê-los como sujeitos coletivos de direito da Convenção 169 da OIT;
  2. Reconhecer, regularizar e promover a titulação dos territórios tradicionalmente ocupados, respeitando a participação e a consulta prévia nos processos administrativos e judiciais e garantindo plenas condições de existência digna aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais;
  3. Reconhecer sua obrigação de consultar os povos e comunidades tradicionais, com respeito ao direito ao consentimento livre, prévio e informado, e conduzir os processos de consulta de maneira prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada antes de tomar qualquer medida legislativa ou administrativa que possa afetá-los; 
  4. Implementar, de modos significativo, efetivo e adequado, o DCCLPI como política de Estado, através dos poderes executivo e legislativo e os três níveis de governo (federal, estadual e municipal), em quaisquer medidas administrativas ou legislativas que possam afetar povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, desde o período de planejamento dessas medidas até as fases de execução, monitoramento e encerramento de atos administrativos e legislativos, programas e projetos de infraestrutura e desenvolvimento.
  5. Não realizar remoção forçada de povos e comunidades tradicionais de seus territórios e observar o direito ao consentimento e não consentimento em casos que ameacem a vida, a existência coletiva, integridade física, cultural e espiritual dos grupos em questão;
  6. Reconhecer a competência concorrente da União e demais Estados da Federação em relação ao dever de consultar os povos. Esta obrigação em hipótese alguma deverá ser transferida para empresas interessadas no licenciamento de projetos de infraestrutura, extrativismo e de desenvolvimento, sob pena de nulidade do processo de consulta prévia, livre e informada; 
  7. Reconhecer a validade jurídica dos Protocolos Autônomos de Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado e seu caráter vinculante para os processos de consulta prévia, como exercício da livre determinação dos povos e disposição de boa-fé ao diálogo com os Estados Nacionais. 

O relatório completo será publicado em e-book e em breve disponibilizado na página do Observatório de Protocolos Comunitários e organizações parceiras para ampla difusão. Abaixo, as organizações signatárias do relatório coordenado pelo Observatório de Protocolos Comunitários.

  1. Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado  – Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)/Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)
  2. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
  3. Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ)
  4. Rede de Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil (REDE PCTS) 
  5. Rede de Cooperação Amazônica (RCA)
  6. Rede Cerrado
  7. Acesso – Direitos Humanos e Cidadania
  8. Articulação Antinuclear do Ceará
  9. Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME)
  10. Articulação Dos Povos Indígenas Da Região Sudeste (ArpinSudeste)
  11. Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul – ARPIN-SUL
  12. Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA)
  13. Articulação Pacari de Plantas Medicinais do Cerrado (Raizeiras do Cerrado)
  14. Articulação Sertão Antinuclear 
  15. Asociación Interamericana para la Defensa del Ambiente (AIDA)  
  16. ATY GUASU – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá 
  17. Casa das Mulheres Manaus
  18. Cáritas Brasileira Regional Pará
  19. Cátedra Sérgio Vieira de Mello – Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
  20. Centro de Educação em Direitos Humanos – CEDH 
  21. Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental (CEPEDIS)
  22. Centro de Trabalho Indigenista (CTI)
  23. Clínica de Direitos Humanos da Amazônia (CIDHA) – Universidade Federal do Pará (UFPA)
  24. Comissão Arns
  25. Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) 
  26. Comissão Pró Índio do Acre
  27. Comitê de Combate à Megamineração – RS 
  28. Conselho do Povo Terena
  29. Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA)
  30. Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
  31. Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)
  32. Cooperativa de Hortifrutigranjeiros do Vale do Moxotó
  33. Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) 
  34. Due Process of Law Foundation (DPLF)/ Fundação para o Devido Processo
  35. Escritório de Defesa da Mulher (UPE)
  36. Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira (FPCTVR)
  37. Grupo de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares (GEPT/UPE) 
  38. HOMA – Centro de Direitos Humanos e Empresas – Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
  39. Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (IEPÉ)
  40. Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS)
  41. Instituto Preservar
  42. Instituto Socioambiental (ISA) 
  43. International Rivers
  44. Memorial das Ligas e Lutas Camponesas 
  45. Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara (MABE) 
  46. Movimento pela Soberania Popular na Mineração(MAM)
  47. Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena – NEAI 
  48. Núcleo de Pesquisa e Estudos em Direitos Humanos (NUPEDH)
  49. Observatório da Kuñangue Aty Guasu  (O.K.A)  
  50. Observatório Fundiário Goiano (OFUNGO) – Universidade Federal de Goiás (UFG)
  51. Observatório Interdisciplinar e Assessoria em Conflitos Territoriais – Projeto OBUNTU
  52. Ocareté – Povos e Comunidades Tradicionais 
  53. Operação Amazônia Nativa (OPAN)
  54. Organização da Juventude Indígena Pankará (OJIPA)
  55. Organização dos Indígenas da Cidade
  56. Rede Juruena Vivo
  57. Terra de Direitos 
  58. Upper Amazon Conservancy/Conservación Alto Amazonas

 

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